Existem duas Brasílias?
 



Cronicas

Existem duas Brasílias?

Janeth de Oliveira


Sempre que conheço alguém em viagem ou online e me perguntam de onde eu sou ou onde vivo, já fico esperando algum comentário depreciativo sobre Brasília, em geral, relacionando-a com maus políticos, corrupção e roubalheira. Mas não para por aí, na mídia e na literatura isso também acontece. Até mesmo jornalistas experientes cometem esse tipo de generalização e utilizam expressões preconceituosas para se referirem à capital federal.

O fato é que existe a Brasília em que vivo, uma cidade como outra qualquer. Nela, a maioria absoluta (e faço questão de realçar o absoluta) de seus moradores é como o resto do povo brasileiro: pessoas lutadoras, que estudam muito, prestam serviços, produzem bens, conhecimento e arte de qualidade e trabalham duro para sobreviver em um lugar onde o custo de vida é alto, os imóveis são caros, a desigualdade é gritante, o transporte coletivo é ruim, as distâncias são grandes etc.

Contrastando com essa maioria trabalhadora, ocorre que aqui é o centro do poder e para cá vêm funcionários e políticos de todos os estados brasileiros; uma minoria, que aqui se articula e atua politicamente. Embora suas bases e referências ético-culturais permaneçam em seus locais de origem, as suas falcatruas e malfeitos são atribuídos à Brasília. E se pensarmos nos últimos escândalos nacionais e de onde eram os seus protagonistas, em uma lista de cem nomes mencionados, talvez possamos identificar dois ou três brasilienses. O intrigante é que dificilmente alguém diz que Brasília produziu boas leis que diminuíram as injustiças ou que melhoraram a vida das pessoas.

Em geral, quando se chega por aqui, inicialmente vem a resistência e o estranhamento ao traçado e à organização da cidade, diferentes de tudo o que se conhece. Como disse Caetano: "Narciso acha feio o que não é espelho", mas aprende-se depressa a chamá-la de realidade. E, apesar de Brasília ser o avesso do avesso, do avesso, do avesso, é uma cidade boa para se viver, rica em natureza, com muitos espaços verdes; uma capital que, de tão generosa, acolhe pessoas de todos os cantos, tanto as bem intencionadas quanto as gananciosas, que só querem dela se aproveitar.

E a nós, pobres mortais que pertencemos à maioria, essa visão negativa e estereotipada incomoda, nos sentimos injustiçados quando somos ignorados, como se somente uma minoria povoasse e representasse a singular capital de todos os brasileiros.


Janeth de Oliveira Naves é farmacêutica, doutora em Ciências da Saúde, professora aposentada da UnB e aprendiz de escritora.

 

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